terça-feira, 31 de julho de 2007

Solitaire.

Tudo começou quando passei pela primeira vez na avenida principal sozinho. Não era comum passar por aquele lugar, aliás, nem tinha motivos para o tal. Os momentos que precedeu o momento ápice que tratarei a seguir, foi-me um presságio peculiar - coisa que eu nunca tinha percebido - fatos que são inexplicáveis.
Desci para resolver umas coisas no centro. E ao passar pela loja, lá ela estava. Sozinha, com olhos amêndoas e com um ar tão estranho que parecia-me cativa naquele recinto. Havia outro indíviduo ao seu lado, era o seu próprio cachorro. Um animal desgrenhado e mal lavado. Parecia-me pior do que aqueles que não tem trato e vivem pelas ruas. Desci rispidamente a rua - pois não gostava de andar por aquele lugar - mas senti a alma pesar, por aquela menina-mulher. Um andrógino, pois nem sabia o que ela era.
O tempo estava se transformando a cada passo meu dado. O clima quente transformou-se logo num dia chuvoso e eu, por incredulidade da alteração do tempo, ou mesmo por saber que não era possível tamanha alteração não levei meu guarda-chuva. O lugar que eu poderia ficar era alguma loja, para poder esperar até findar a chuva. Na loja onde eu ousei me refugiar, presenciei um antigo inimigo. Não poderia ficar junto, nem mesmo naquele lugar. Pensei em descer mais, mas a próxima loja estava além do que poderia sair desprovido da chuva. Tinha que subir para a loja daquela menina-mulher. Como não hesitei em descer, não hesitei em subir.. O meu coração começou a bater mais forte junto com o tremular das mãos. Contive-me, embora não estava à vontade naquele lugar.
De repente ela chegou ao meu lado e disse com uma voz impregnada de doçura e terror:
- Você mora aqui mesmo?
- Sim, moro na Avenida norte.
- Normalmente vou lá no ano novo, quando tenho vontade, por ter parentes lá. - Ela disse-me.
- Muito legal - respondi.
Havia uma estranheza em mim que não conseguia determinar o que era. Aquela menina-mulher, ali, com aquele cachorro estranho só saia daquela casa para a Av. Norte no ano novo quando ia visitar sua família. Isso era a pura monotonia manifestada em gente. Ela era extática e tão abusrdamente estranha que não parei de olhá-la sequer um minuto. A chuva passou ao término do nosso curto diálogo. Eu saí sem despedir-me, o que era uma falta tamanha de cortesia. Mas não liguei... Voltei a minha rotina, indo resolver minhas coisas. Fiquei encucado com aquele processo de alteração do tempo e do nada, como se fosse algo predestinado, passasse a chuva.
Logo após terminar da conversa que tive com aquela menina-mulher. Os dias se passaram e ainda estava pensando naquilo.. Ela me seguia de uma forma incomparável. Todas as vezes que eu passava de carro pela loja, lá estava ela. Olhando vítrea no espelho, ou mesmo de pé na frente do estabelecimento. Com seu cabelo desgrenhado e com um peculiar penteado.
Um dia estava conversando com amigos meus e para minha surpresa, foi-se adentrando no assunto daquela a quem eu me refiria como menina-mulher, onde seu nome era Tânia. O que foi-me dito e que prestei muita atenção a cada detalhe, foi que aquela menina tinha perdido o seu amor de acidente. Ficou eternamente menina solta. Uma menina parada no tempo. Como se fosse presa no pasado e a partir daí não evoluísse em nada mais. Seu rosto, seu corpo, parecia-me uma estátua mesmo depois de muitos anos que passei por lá e a vi da mesma forma. Ou na janela vítrea ou na frente da lojinha. Não sei de sua família, mas sei que um grande amor ao ser ausente na vida dela, fê-la resistir ao evolucionismo do mundo e parar por definitivo no tempo, a fim - quem sabe, e sou incerto ainda - de resgatar o seu amor ou manter-se unicamente igual ao que era. Existe o poder da psicossomática do qual não posso me corresponder por fatores da não compreensão.

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Quem sou eu

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Nasci em Recife, mas logo fui morar na cidade da Vitória de Santo Antão. Hoje, aqui, sinto que é uma particularidade íntima. Esse meu viver, minhas afinidades com essa cidade, transporta-me a outros mundos.''Sou a fusão do adulto maduro e o menino tenro''. ''Cogito ergo sum'' Escrevo desde os 16 anos e descobri na escrita um pedaço de mim, uma ânsia ardente e gostosa. Não reviso meus textos. Escrevo contos, romances, novelas etc.