quinta-feira, 26 de julho de 2007

Capricho

Lentamente conduzi-me a porta, onde ela me aguardava com olhos amêndoados num tom plácido que me informava mansidão e determinação em me guiar pelo lugar. Mas sem falar no que me havia de atônito, onde a qualquer momento eu estivesse à deriva daquela situação que tanto me podia trazer benevolência, quanto malevolência. Não entendia nem quereria isto. Apenas curtir a viagem que fora tantas léguas rodadas. O frio estava intenso e permaneci agasalhado de uma forma súbita para qualquer contratempo não vir tão repentino. A garagem, onde descemos para sair, estava um pouco aquecida, mas com um cheiro de oléo do carro que havia rodado tanto nas estradas, muito embora deveria ser algum problema que nele assomasse, pois não é comum sentir cheiro dessa forma. Ela me perguntou de que modo eu iria, se queria ir a pé ou de carro mesmo. Respirei o ar cálido do local e decidi enfrentar o frio no contacto impactante, algo corpo-a-corpo. Queria, pois, ter um ávido e voraz empenho para manter uma ligação afectiva forte com aquele lugar. Pusemo-nos a andar por aquelas ruas desertas de gente, onde o tempo era o espaço - coisa que apenas no mundo imaginário pode-se conceber - o caminho pedregulhento onde passamos lembrou-se instantaneamente dos tempos onde eu morava na fazenda em Rivertown. Ela perguntou-me o que poderíamos fazer primeiro. Como eu havia chegado há pouco tempo, queria ir num restaurante mais próximo para assim poder reabastecer-me. Então fomos rumo ao mais próximo e que tivesse uma boa qualidade. No trilhar desse restaurante, encontrei uma forte paisagem que me transportava para outra realidade, como eu já havia mencionado... Algo puramente mágico, era como se agora, no andar por entra aquelas ruas frias e mortas, eu estivesse passando pelo local onde tantas vezes eu passei, um local onde tantas vezes eu sorri, brinquei, amei, cresci - e isso vinha de uma forma arrasadora - não me compreendia tamanho pensamento naquilo. Eu de facto, não entendia mais nada, por um lado pensara em algo que estava para vir ou um presságio, e agora eu estava vivendo na íntegra um deja vù. Não sei, mas fiquei muito feliz por reavivar momentos únicos na minha vida, coisa que apenas num estado de concentração a flor da pele, é que se conseguiria aquilo que eu estava deleitando-me. - e isso é tão provável que um sorriso interminável veio-me - Gisele olhou completamente aérea para mim, tentando conciliar as coisas, tentando compreender o tamanho de tanta felicidade que se manifestava cada vez num ritmo de intensidade maior em mim. Continuamos a andar, ela não me perguntou nada, apenas sua face me perquiriu. Tentando entender o que era realmente, eu não lhe disse nada, apenas fiquei na minha alegria que parecia ser interminável sobre mim, algo tão perene que mesmo quando acabei de rir, fiquei feliz, coisa que nem sempre fazia. Era um momento tão único que precisei parar um momento para tentar saber o que se passava na minha cabeça. Mesmo com tamanha alegria - o que era completamente atípico para mim - tentei coordernar a situação, ponderá-la de uma forma razante. E não entendi o princípio nem o fim. Mas vivi o meio, o hoje. O frio já não era tão fortemente sentido, mas as ruas continuavam vazias, com poucos indivíduos a vagar longe de nós. O caminho parecia não ter fim, mas a fome parecia, a cada passo dado, crescer. Não me espantei com o que estava acontecendo, há-se coisas que não se pode compreender como o processo. A vida é bela demais para tentar decifrar a felicidade, pois é no decifrar que se encontra a tristeza, no núcleo da felicidade. Tem-se que ter a divisão dos sentimentos, o yin-yang. O preto e o branco. Faltava apenas uma imensa ladeira para subirmos e chegarmos no restaurante, disse-me Gisele. Subi com o ímpeto em chegar logo e me saciar.. A felicidade precisava ser alimentada e eu a mantinha dentro de mim, cuidando dela como se fosse um cria e era. Quem sabe se não é assim que se mantém a felicidade, dando-lhe comida, amor, carinho, respeito. E isso seria a idéia central de que todos poderíamos ter a felicidade, embora clandestina ou não, mas de uma forma atrativa e mesmo com os problemas intrísecos à nós mesmos. Nesses pensamentos, fui-me automáticamente - e digo, pois, não senti subir tamanha ladeira - até que chegamos ao restaurante.
-Finalmente - Disse à Gisele
-Pois é, mas o mais interessante é que nunca eu havia de sair com alguém que andasse o caminho todo rindo e silencioso - Ela me disse.
- Sim, existe gente para toda acepção. Um capricho que eu adquiri hoje mesmo, algo só meu.. - Encerrei entrando no lugar.

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Quem sou eu

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Nasci em Recife, mas logo fui morar na cidade da Vitória de Santo Antão. Hoje, aqui, sinto que é uma particularidade íntima. Esse meu viver, minhas afinidades com essa cidade, transporta-me a outros mundos.''Sou a fusão do adulto maduro e o menino tenro''. ''Cogito ergo sum'' Escrevo desde os 16 anos e descobri na escrita um pedaço de mim, uma ânsia ardente e gostosa. Não reviso meus textos. Escrevo contos, romances, novelas etc.